A Amnistia Internacional expressa profunda preocupação sobre a execução de pelo menos quatro, e muito provavelmente nove, presos condenados à morte na Guiné Equatorial, em finais de janeiro de 2014. O país pode mesmo ter executado todos os presos que se encontravam no corredor da morte. Apenas duas semanas depois, o Governo da Guiné Equatorial anunciou uma moratória à pena de morte, num gesto que aparenta tratar-se de uma tentativa para assegurar a sua adesão à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Anunciar uma moratória à pena de morte e “medidas no sentido da abolição” apenas duas semanas depois de terem sido feitas execuções levanta sérias dúvidas sobre a verdadeira motivação do Governo da Guiné Equatorial. A Amnistia Internacional insta por isso as autoridades do país a demonstrarem o seu compromisso com os direitos humanos, abolindo a pena de morte.
Execuções
A 31 de janeiro de 2014, pelo menos quatro pessoas foram executadas na Guiné Equatorial. Trata-se das primeiras execuções judiciais de que há conhecimento no país desde 2010.
Tadeo Mitogo Alo, Mariano Nguema Ela e Abraham Ndong, todos cidadãos da Guiné Equatorial, assim como Amadou Tamboura, oriundo do Mali, foram mortos por um pelotão de execução em Evinayong, na região central do país. Os quatro tinham sido condenados por homicídio entre 2003 e 2013. Segundo fontes locais, as sentenças de morte foram proferidas por tribunais comuns e depois confirmadas em instâncias de recurso.
Políticos da oposição na Guiné Equatorial, citados pelo jornal Gaceta de Guinea, afirmaram que os quatro presos foram informados das suas iminentes execuções apenas 30 minutos antes das mesmas acontecerem (1). Outras fontes avançaram ainda que, nem as famílias, nem os advogados dos presos foram previamente informados das execuções, o que constitui uma violação das leis e padrões internacionais sobre a pena de morte.
Além do mais, há dados que apontam para a possibilidade de, no dia anterior à execução destes quatro homens, ou seja, a 30 de janeiro, outros quatro presos que se encontravam no corredor da morte terem sido executados em segredo nos arredores da capital, Malabo, e ainda um quinto em Mbini, na costa ocidental. No total, terão sido nove os executados na Guiné Equatorial em apenas dois dias. Segundo fontes locais, os corpos não foram devolvidos às famílias, antes enterrados por soldados.
Está por clarificar se ainda há pessoas presas no país, condenadas à pena de morte. Para a Amnistia Internacional, a Guiné Equatorial tem de atuar de forma transparente no que toca à aplicação da pena de morte, e tornar públicas todas as informações sobre o número e circunstâncias das execuções, assim como sobre quantas pessoas permanecem atualmente presas e condenadas à pena capital.
“Moratória temporária”
O vice-Primeiro Ministro para os Direitos Humanos, Alfonso Nsue Mokuy, anunciou no passado dia 4 de março, no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que o Presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema, assinara a 13 de fevereiro último uma decisão que determina uma “moratória temporária à aplicação da pena de morte” (2).
A decisão aponta para que sejam aplicadas penas de prisão pelos tribunais, em vez da pena de morte. Terá, porém, de ser ainda ratificada pelo Parlamento ou através de um referendo nacional. Em todo o caso, não se trata de uma lei para abolir a pena de morte, mas de uma decisão que determina a suspensão temporária da aplicação da pena capital.
O Governo da Guiné Equatorial tinha já anunciado a sua intenção de adotar uma moratória à pena de morte antes de maio deste ano, altura em que decorrerá no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas a Revisão Periódica Universal da Guiné Equatorial (3).
Em 19 de março passado, a presidente do Senado (câmara alta do Parlamento), Efua Asangono, foi citada como tendo referido que esta moratória se traduziria numa suspensão das execuções por período indefinido. Acrescentou que o Governo se encontrava a trabalhar para afastar por completo a pena de morte da Constituição.
O artigo 13º da Constituição da Guiné Equatorial prevê a possibilidade de aplicação da pena de morte, mas não a exige – tal sugere que a abolição da pena de morte nas leis ordinárias é já possível sem uma prévia revisão constitucional.
Outra forma de formalizar na lei a “moratória temporária” passa pela ratificação pela Guiné Equatorial do Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Políticos e Cívicos, que visa a abolição da pena de morte e que proíbe execuções sob a jurisdição dos países signatários, ao mesmo tempo que exige a estes a “adoção de todas as medidas necessárias para abolir a pena de morte na sua jurisdição”.
Adesão da Guiné Equatorial à CPLP
Na reunião extraordinária do Conselho de Ministros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa que se realizou em Maputo, Moçambique, a 20 de fevereiro passado, o anúncio de adoção de um mecanismo de moratória à pena de morte na Guiné Equatorial foi acolhido muito positivamente, num sinal de que o mesmo aproximaria o país da adesão à organização.
O Conselho acordou então recomendar a adesão da Guiné Equatorial como membro de pleno direito da CPLP já na próxima cimeira de chefes de Estado e de Governo, marcada para julho, em Díli, Timor-Leste.
Até agora e desde 2006, a Guiné Equatorial tem tido estatuto de “observador associado”. Todos os oito países que integram a organização – Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste – aboliram a pena de morte para crimes civis como o homicídio.
Enquadramento
A Guiné Equatorial tem como Presidente Teodoro Obiang Nguema desde 1979. A pena de morte é obrigatória para o crime de homicídio qualificado, a não ser que se verifiquem circunstâncias atenuantes.
A última vez em que ocorreram execuções judiciais foi em 2010 e, antes disso, em 2007, quando três homens condenados em casos de homicídio em 2006 foram executados após terem perdido o último recurso no Tribunal Supremo.
A pena de morte foi aplicada na Guiné Equatorial a opositores políticos que foram condenados por crimes contra o Estado, na maioria dos casos por tribunais militares, em julgamentos injustos. Em 21 de agosto de 2010, quatro opositores ao regime foram condenados à morte por um tribunal militar que os deu como culpados de tentativa de homicídio do Presidente, traição e terrorismo. Estes homens foram executados apenas uma hora depois de proferidas as sentenças, privados do direito a recurso para instância superior e sendo-lhes ainda negado o direito a pedir perdão – como está consagrado, tanto nas leis internacionais como na legislação da própria Guiné Equatorial. Foi-lhes também recusado um último contacto com as famílias, antes das execuções.
A segunda Revisão Periódica Universal da Guiné Equatorial no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas vai decorrer a 5 de maio de 2014 (4). Na primeira avaliação, em dezembro de 2009, o país rejeitou as recomendações de outros Estados para ratificar o Segundo Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Políticos e Cívicos.
A Amnistia Internacional opõe-se à pena de morte em todas as circunstâncias, considerando ser este o castigo mais cruel, desumano e degradante, e uma violação do direito à vida.
(1) “En dos días Obiang ejecuta ocho personas clandestinamente”, em Gaceta de Guinea: http://www.gacetadeguinea.com/noticia.asp?ref=751
(2) A decisão foi integrada no diploma nacional nº426/2014.
(3) Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas: “National report submitted in accordance with paragraph 5 of the annex to Human Rights Council Resolution 16/21: Equatorial Guinea”, documento das Nações Unidas A/HRC/WG.6/19/GNQ/1, de 3 de fevereiro de 2014: http://www.ohchr.org/EN/HRBodies/UPR/Pages/GQSession19.aspx
(4) “Equatorial Guinea: Continued Institutional and key human rights concerns in Equatorial Guinea: Amnesty International Submission to the UN Periodic Review, May 2014”, Index AFR 24/013/2013: http://www.amnesty.org/en/library/asset/AFR24/013/2013/en/f294c58b-4163-48f4-be22-835f67e83899/afr240132013en.pdf
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